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Anna Luiza

O que nos faz analistas?

A formação do psicanalista é um processo longo e complexo, permeado por anos de estudo, análise pessoal e supervisão clínica, indo muito além do domínio teórico. Este é um tema que sempre trouxe muitos questionamentos e angústias para o início do meu trabalho com a clínica. Durante as aulas do módulo de ambientação da pós-graduação de Fundamentos em Psicanálise do ESPE, o professor Marcos Leite começa a desenvolver suas ideias sobre o tema no vídeo que se intitula “A formação do analista”. Ele diz que o analista é efeito de sua análise pessoal, que ele “[...] é, antes de mais nada, alguém que, levando sua análise até o fim, pode escutar outros que estão de alguma forma também implicados empenhados a ir até às últimas consequências da sua análise pessoal.”

Pensando sobre isso, entendo que a análise pessoal é uma parte essencial do processo de formação do analista. É necessário mergulhar profundamente em si mesmo, nos próprios medos, traumas e conflitos, se tornando o próprio paciente, explorando seus próprios conteúdos inconscientes e reconhecendo suas resistências e defesas. Isso vai ao encontro da fala de Christian Dunker (2017) no seu canal do Youtube. Em um vídeo intitulado “Como é a formação em psicanálise?”, ele diz:


Freud havia estabelecido três condições pra formação do psicanalista. Antes de tudo, a sua própria relação com o inconsciente sob transferência, ou seja, um processo pessoal de análise. Cada um leva a análise dos seus analisantes até onde foi a sua. A gente pode ler livros, a gente pode estudar o assunto, mas é por um processo de transformação pessoal próprio que a gente pode ajudar [...] outras pessoas a também fazerem essa exploração, essa aventura, com o seu próprio inconsciente. A supervisão clínica também desempenha um papel crucial na formação do psicanalista.


Durante a supervisão, o aluno tem a oportunidade de discutir casos clínicos, refletir sobre suas intervenções terapêuticas e receber orientação de um analista, normalmente, mais experiente. Esse acompanhamento é fundamental para a evolução do psicanalista em formação, auxiliando-o a desenvolver sua capacidade de escuta, interpretação e intervenção terapêutica. Para Dunker (2017), o mais importante de uma supervisão é que ela nos autorize a encontrar nosso próprio estilo, fazendo a gente pensar a partir do caso e a partir de nós mesmos.

Além da análise pessoal e da supervisão, um terceiro ponto é importante quando falamos da formação do psicanalista: o estudo da teoria. Segundo Dunker (2017)


O estudo teórico toma muito tempo, envolve uma dedicação continuada, principalmente porque não se trata apenas de uma absorção cognitiva dos conceitos e das noções, mas uma incorporação, uma tradução desses conceitos na nossa própria linguagem [...] de tal maneira que isso passe a se desdobrar para dois outros pontos que, pro Lacan, seriam importantes quando a gente fala em formação [...]. O primeiro deles é a noção de discurso, discurso do psicanalista. Então, a formação do psicanalista se dá no contato, na experiência discursiva que, acontece dentro da análise [...] mas, também aconteceria fora da análise, num laço que uma escola de psicanalistas poderia propiciar. Além disso, o Lacan vai introduzir uma ideia importante pra gente pensar a formação que é a [...] transmissão. [...] se dá em trazer a psicanálise para a pólis, trazer a psicanálise para o espaço público.


Percebe-se que a formação não é um processo linear ou definitivo. É um caminho contínuo de aprendizado e aperfeiçoamento, é um grande desafio porque ela é a formação de um desejo. Devemos pensar que se trata de um trajeto ético. Um caminho não normativo, que não necessariamente passa por cursos e certificados, mas das experiências de cada um com a sua falta, com a sua castração e com a formação do seu desejo de psicanalista (DUNKER, 2017).

Pensar na minha formação sem pensar em uma instituição sempre foi um pouco estranho para mim, sentia que para me tornar analista precisava estar amparada por um curso de formação. Durante a aula do professor Marcos, fui compreendendo a ideia de que essa institucionalização da psicanálise e o modelo padronizado de formação não funciona e vai contra a máxima da formação pela via do desejo. Dunker traz em sua fala que é fundamental, quando pensamos em formação, partirmos da ideia de que cada um é responsável pelo seu percurso de formação (DUNKER, 2017).

Na apresentação do livro “Oficio do Psicanalista II: por que não regulamentar a psicanálise”, Ana Maria Siga, Bárbara Conte e Samyra Assad (2019, p. 8) reforçam


[...] não é possível pensar a formação de um psicanalista com regras e normas determinadas por uma regulamentação. Reafirma-se que a formação supõe um percurso singular, único e pessoal: a travessia subjetiva da experiência analítica, a qual se torna um instrumento de trabalho fundamental para a posição de escuta, além da supervisão e do arcabouço teórico. Esses são os três pilares que, se regulamentados, podem vir a se transformar em leis vazias que justificariam projetos de cunho religioso, ou cursos com interesses econômicos.


Portanto, a formação do psicanalista é uma jornada complexa e desafiadora, que exige um profundo mergulho na teoria, na prática clínica e na exploração interna. É um processo que vai além do conhecimento intelectual, implicando em uma elaboração interna. “Tornar-se analista um é processo de constituição, construção, desconstituição, desconstrução, reconstrução, reconstituição, desconstituição, desconstrução, [....] do próprio self.” (MENDES, 2019, p.74).

Em suma, a formação do analista é um percurso intelectual e emocional desafiador que requer um comprometimento contínuo com o próprio desejo. Ao longo desse processo, o psicanalista deve mergulhar em sua análise pessoal, em supervisões e estudos em grupo e individuais. A formação do psicanalista é uma jornada que não termina e demanda uma dedicação singular.




REFERÊNCIAS

DUNKER, Christian. Como é a formação em psicanálise? 2017. Disponível em: https://youtu.be/q00iTBv14EM. Acessado em 17 de jul. 2023.

MENDES, Emerson Ari. Tornar-se analista. In: Ofício do Psicanalista II: por que não regulamentar a psicanálise. Ana Maria Sigal; Bárbara Conte; Samyra Assad (orgs.) Editora Escuta. Março, 2019. São Paulo.

SIGAL, Ana Maria; CONTE, Bárbara; ASSAD, Samyra. Apresentação. In: Ofício do Psicanalista II: por que não regulamentar a psicanálise. Ana Maria Sigal; Bárbara Conte; Samyra Assad (orgs.) Editora Escuta. Março, 2019. São Paulo

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