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Anna Luiza

A pulsão e seus destinos

A teoria das pulsões, desenvolvida por Sigmund Freud, é um dos pilares fundamentais da psicanálise. Introduzida no início do século XX, essa teoria busca compreender as forças que impulsionam o comportamento humano, indo além das manifestações conscientes e explorando os domínios do inconsciente. Freud (2023, p. 24-25) aborda a pulsão como 


um conceito fronteiriço entre o anímico e o somático, como representante psíquico dos estímulos oriundos do interior o corpo e que alcançam a alma, como uma medida da exigência de trabalho imposta ao anímico em decorrência de sua ligação com o corporal 


Em outras palavras, ele propõe que o aparelho psíquico sofre pressão por estímulos internos e externos, muitas vezes inacessíveis à consciência, e que essas forças buscam a satisfação de necessidades intrínsecas. As pulsões são concebidas como energias psíquicas que buscam descarga, similar a um impulso físico que busca uma saída (FREUD, 2023). Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis (1991) definem a pulsão como um “processo dinâmico que consiste numa pressão ou força (carga energética, fator de motricidade) que faz o organismo tender para um objetivo” (p. 394).  

Dessa forma, a pulsão tem quatro elementos fundamentais: pressão, fonte, meta (objetivo) e objeto (FREUD, 2023). A fonte está em uma excitação corporal (estado de tensão) e o objetivo sempre é a satisfação, que só pode ser alcançada pela interrupção do estado de tensão que impera na fonte pulsional (LAPLANCHE; PONTALIS, 1991). O destino é sempre o mesmo, mas os caminhos para alcançar a satisfação podem ser diferentes. O objeto de uma pulsão é o que há de mais variável nela e é “aquele junto ao qual ou através do qual a pulsão pode alcançar sua meta” (FREUD, 2023, p. 25). 

É na descrição da sexualidade humana que Freud traz a sua noção do que é pulsão. Estudando as perversões e as modalidades da sexualidade infantil, ele a localiza nas excitações e no funcionamento do aparelho genital, mostrando que o objeto é variável, sendo escolhido com base na história do sujeito (LAPLANCHE; PONTALIS, 1991). Sexualidade, para a Psicanálise, não se trata apenas das atividades e do prazer relacionados ao aparelho genital, mas sim de uma série de excitações e de atividades existentes desde a infância. Estas “proporcionam um prazer irredutível à satisfação de uma necessidade fisiológica fundamental (respiração, fome, função de excreção, etc.), e [...] se encontram a título de componentes na chamada forma normal do amor sexual” (LAPLANCHE; PONTALIS, 1991, p. 476). 


Surgida a partir de sua experiência clínica de escuta dos pacientes neuróticos em análise, a teoria freudiana das pulsões é o resultado da apreensão da ocorrência universal de uma sexualidade que se manifesta sob uma aparência errática e subdita a uma lógica diferente daquela que rege os instintos animais. (M.A.C., 2000, p.21)

 

No decorrer do desdobramento da sua teoria das pulsões, Freud sempre contrapõe a pulsão sexual a outras pulsões, fazendo esta teoria se manter sempre dualista. O primeiro dualismo suscitado é entre as pulsões sexuais as pulsões do ego (ou de autoconservação)  (LAPLANCHE; PONTALIS, 1991). Durante o desenvolvimento da Psicanálise e o estudo das “neuroses de transferência”, Freud percebe que existe um conflito entre as exigências da sexualidade e as do Eu, sendo este conflito o centro dos sintomas. Ele sugere, então, diferenciar as pulsões primordiais em dois grupos: as pulsões sexuais e as pulsões do Eu (de autopreservação) (FREUD, 2023).  

As pulsões sexuais podem ser classificadas de maneira geral como numerosas e derivadas de diversas fontes orgânicas, agem primeiramente de forma independente tendo como meta a obtenção do prazer do órgão e só a posteriori se unem (FREUD, 2023). Logo, por ter diversas fontes e não ser unificada desde o princípio, ela inicia fragmentada em pulsões parciais cuja satisfação é local (por isso o prazer do órgão). Do ponto de vista econômico, Freud propõe a existência de uma energia única nas variações da pulsão sexual: a libido. Já do ponto de vista dinâmico, ele enxerga nela um centro presente no conflito psíquico: o objeto privilegiado do recalcamento no inconsciente (LAPLANCHE; PONTALIS, 1991). 

As pulsões do Eu são entendidas como as grandes necessidades ou funções fundamentais à conservação do indivíduo, ou seja, são o conjunto das necessidades ligadas às funções corporais essenciais à vida, possuindo a fome como seu protótipo (LAPLANCHE; PONTALIS, 1991). 


Segundo Freud, esse dualismo opera desde as origens da sexualidade, pois a pulsão sexual se destaca das funções de autoconservação em que a princípio se apoiava [...]; ele procura explicar o conflito psíquico, pois o ego encontra na pulsão de autoconservação o essencial da energia necessária à defesa contra a sexualidade (LAPLANCHE; PONTALIS, 1991, p. 396). 


Isto quer dizer que, em um primeiro momento, as pulsões sexuais se apoiam nas pulsões de autopreservação, e vão se desligando delas aos poucos, seguindo em busca do objeto pelos caminhos indicados pelas pulsões do Eu. Uma parte das pulsões sexuais segue associada às pulsões do Eu por toda vida (FREUD, 2023).  Posteriormente, Freud traz que as pulsões sexuais e pulsões do Eu são incorporadas no conceito de pulsão de vida (Eros). Entende-se a pulsão de vida como uma força reguladora do caminho para a morte que tende à “ligação”, tem como objetivo a constituição e manutenção da vida. O dualismo desta vez se dá com a entrada do conceito de pulsão de morte (Thanatos), que são tendência para a redução completa das tensões, ou seja, pulsões que tendem retornar o indivíduo ao estado inorgânico. Num primeiro momento, elas estariam voltadas o interior e tendendo à auto destruição, e depois,  as seriam dirigidas para o exterior, manifestando-se sob a forma da pulsão de agressão ou de destruição (LAPLANCHE; PONTALIS, 1991). 

Em seu livro “As Pulsões e seus Destinos” (FREUD, 2023), Freud restringe a observação apenas as pulsões sexuais para investigar quais os destinos que as pulsões podem experienciar. Desta forma, ele traz quatro destinos pulsionais ou, pode-se dizer, formas de defesas contra as pulsões: a reversão em seu contrário, o retorno em direção a própria pessoa, o recalque e a sublimação  (FREUD, 2023). 

A última se dá quando a pulsão busca uma meta não sexual, por meio de objetos socialmente valorizados, ou seja, é a capacidade de trocar o objetivo sexual originário por outro não sexual,  mas que psiquicamente se aparenta com ele (LAPLANCHE; PONTALIS, 1991). A reversão em seu oposto se divide em dois processos distintos: a passagem de uma pulsão da atividade para a passividade, esse processo se dá quando a meta ativa é substituída por uma passiva (ex.: sadismo-masoquismo), e a inversão de conteúdo (transformação do amor em ódio). No processo de retorno em direção a própria pessoa o objeto é trocado, mas o objetivo se mantém o mesmo (FREUD, 2023). 

Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis (1991, p. 430) definem o recalque como 


Operação pela qual o sujeito procura repelir ou manter no inconsciente representações (pensamentos, imagens, recordações) ligadas a uma pulsão. O recalque produz-se nos casos em que a satisfação de uma pulsão — suscetível de proporcionar prazer por si mesma — ameaçaria provocar desprazer relativamente a outras exigências. [...] Pode ser considerado um processo psíquico universal, na medida em que estaria na origem da constituição do inconsciente como campo separado do resto do psiquismo. 


O recalque, dessa maneira, é um processo que tem como objetivo manter inconsciente todas as ideias e representações ligadas às pulsões as quais a realização afetaria o equilíbrio do funcionamento do indivíduo, transformando-se em fonte de desprazer. Ele é constitutivo do núcleo do inconsciente e se exerce sobre excitações internas cuja persistência provocaria um desprazer demasiado. O que é recalcado são os representantes da pulsão, mas estes continuam no inconsciente. Esse processo de recalcamento, instala para a pulsão e seus representantes um meio termo entre a fuga, que seria a resposta apropriada para as excitações externas, e a condenação, que seria atributo do supereu (ROUDINESCO; PLON, 1998)

A pulsão, então, representa para Freud uma força motriz que impulsiona o comportamento humano. Esse conceito desempenha um papel crucial na teoria psicanalítica, oferecendo uma lente para entender a complexidade da psique e os fatores subjacentes aos conflitos e motivações humanas, além de se desdobrar para o entendimento de outros conceitos fundamentais da Psicanálise. 

 




REFERÊNCIAS 

FREUD, Sigmund. As Pulsões e seus Destinos [Triebe und Triebschicksale]. Edição bilíngue. Tradução: Pedro Heliodoro Tavares. Ed. 1. Belo Horizonte: Autêntica, 2023. 

LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário da psicanálise [Vocabulaire de la Psychanalyse]. Sob a direção de Daniel Lagache. Tradução: Pedro Tamem. Ed. 11. São Paulo: Martins Fontes, 1991. 

M. A. C, Jorge. Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. Pg. 20-51. 

ROUDINESCO, Elisabeth; PLON, Michel. Dicionário de Psicanálise [Dictionnaire de la psychanalyse]. Tradução: Vera Ribeiro e Lucy Magalhães.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. 

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